sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Efeito Guardiola

A bola corre de pé em pé. Em grande parte do cortejo, eles têm o domínio – do objeto esférico e do confronto.

Guardiola conseguiu potencializar o desempenho de cada atleta em particular. Messi não tem o mesmo brilho fora do clube catalão; Xavi e Iniesta só são completos com a camisa azul-grená; Sérgio Busquets, de mediano em qualquer equipe, torna-se o melhor médio-volante do mundo.

Isso sem falar nas atuações de destaques de Piqué, que há três temporadas era apenas um reserva insignificante no Manchester United; Fàbregas, que deu outra cara ao time; Daniel Alves e todos, sim, todos os outros.

Contudo, o mais incrível é que o todo ainda consegue ser maior que a soma das partes. O Barcelona, às vezes, parece ser um organismo vivo. Sai jogador,entra jogador, o time muda o jeito de jogar, mas não perde a essência, marcada pela dicotomia posse de bola e beleza plástica.

A soberania do Barça não se explica somente pelas variáveis táticas e técnicas. É muito maior do que isso.

Guardiola faz parte de um grupo de intelectuais que se reúnem com certa frequência na Espanha. Entre os frequentadores destes bate-papos está uma das referências na literatura espanhola Enrique Vila-Matas.

O conhecimento teórico que Guardiola adquiriu nas demais áreas do conhecimento, muito em função do seu largo escopo cultural, é utilizado com louvor em sua filosofia implantada nas quatro linhas. O técnico de Santpedor ainda dá seus primeiros passos. A revolução está por vir.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Sonhos Perdidos

Ademar era um dos rapazes mais responsáveis e trabalhadores de todo o Rio de Janeiro, diziam os amigos. Queria ter vida boa e dar merecido descanso à mãe, que o criara mais outros quatro irmãos. Da infância, além da vida dura, guardava um desgosto profundo: viu o pai fugir de casa, acompanhado de uma rapariga, levando todas as economias da mãe, deixando-os à mingua. A despeito de ser o filho mais velho, na época, Ademar tinha apenas sete anos.

Seu Antônio, pai de Ademar, era alcóolatra e fumante inveterado. Às vezes, fazia uns bicos como pedreiro, mas não gostava de trabalhar. O que desempenhava com gosto era a busca constante por novas namorada. Traia a mulher sistematicamente. Como se não bastasse, quando chegava alcoolizado em casa, agredia a esposa e os filhos. Não era bem quisto pela vizinhança.

É certo que o ‘sumiço’ de seu Antônio serviu para unir ainda mais a família. Se nos primeiros meses dona Matilde ainda lamentava a perda do companheiro, com o passar dos anos ela compreendeu que a felicidade plena estava longe daquele carrasco transvestido de marido.

Com muitas dívidas e cinco filhos pequenos, Matilde começou a trabalhar em dois horários como diarista e deixava Ademar responsável pelos outros irmãos. Esperto, Ademar ainda tirava tempo para estudar. Sonhava em ser professor de educação física, uma vez que os planos de ser um grande artilheiro estavam fora de cogitação por ter dificuldade de locomoção com uma das pernas, fruto de um acidente causado pelas bebedeiras homéricas do pai.

Já crescido, aos 21 anos, começou a trabalhar como motoboy. Fazia entrega de pizzas na região da Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro. O dinheiro era suficiente para ajudar em casa, mas impossível para concretizar o desejo do diploma universitário. Sua família ainda levava uma vida muito custosa.

Ademar era conhecido no bairro, também, por ter um largo conhecimento sobre esquemas táticos. Acompanhava os jogos que passavam na TV e não perdia um cortejo do Bangu, seu clube de coração. O alvirrubro passava por uma das piores crises da história, estava disputando a terceira divisão do Campeonato Estadual. Falida e sem patrocínio, a tradicional agremiação carioca ficou um ano sem atividades. Uma chapa formada por alguns conhecidos de Ademar conseguiu assumir o comando do clube. A ideia era reestruturar o Bangu com muita criatividade e pouco dinheiro. Em função disso, surpreendentemente, Ademar foi convidado a assumir o comando técnico do time.

O convite, que inicialmente gerou certa incredulidade, foi aceito. Nova rotina: treinos no período matutino e jogos aos domingos, além, claro, das pizzas à noite. Ademar formou sua comissão técnica e encontrou alguns jovens promissores nos campos de várzeas daquelas bandas. Montou um time equilibrado, sem muito brilho. Seu grande mérito foi definir um esquema que encaixasse com o grupo de jogadores que tinha a disposição. O moderno e usual 4-2-3-1 caiu como uma luva. Sem dificuldades, logrou a taça da Série C do Rio de Janeiro.

Ademar tinha os pés no chão. Continuou levando a mesma vida de sempre. Sistemático, seis meses antes da disputa da segunda divisão já estava com o elenco fechado. Não instituiu nenhum método que revolucionasse o futebol, mas desempenhava com muita altivez o papel de líder. Era respeitado e, sobretudo, admirado pelos comandados.

Mesmo sendo mais competitiva, a Segundona foi presa fácil para o Bangu, que ergueu a taça de forma invicta. O ponto alto da equipe era o inexpugnável setor defensivo. Não foi vazado durante os doze jogos. Ademar ganhou o apelido de português, em referência a José Mourinho, técnico do Real Madrid. No dia da decisão, contra o Volta Redonda, acertou um bom contrato com o Goiás por um ano. Assim, poderia dar à mãe uma vida digna e tranquila – o mais importante para ele naquele momento.

Ao chegar em casa, para comemorar com a mãe, que não gostava de ir aos estádios por causa da violência, encontrou Matilde no chão, com o rosto desfigurado. Descobriu, por meio dos vizinhos, que o pai havia voltado, roubado um dinheiro e a agredido. Foi ao boteco mais próximo de casa, onde o pai costumava frequentar. Consternado, agrediu o bêbado com pauladas violentas. Ademar foi preso e condenado a longos invernos na cadeia. Perdeu o pai, perdeu a mãe e perdeu os sonhos.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Linhagem Real

Em 2001, acompanhando os pais, Leo desembarcava na cidade espanhola de Lérida, na Catalunha. A Argentina, país natal do garoto de 13 anos, vivia uma grave crise econômica, e seus familiares resolveram tentar a vida na ainda estável Europa. Leo, que sofria de distúrbios ósseos, tinha biótipo mirrado. Mesmo fora dos padrões físicos para o futebol moderno, com 1,45 metro de estatura e 47 kg, o argentino de Rosário saltou aos olhos do treinador infantil do Barcelona ao ter desempenho irretocável durante um teste no clube. Os dirigentes, impressionados com sua técnica, decidiram contratá-lo, custeando seus familiares na Espanha e o tratamento para seus problemas de desenvolvimento corporal. Pele branca e cabelo sobre os olhos, lá se foi Leo ingressar nas canteiras de La Masia.





Hoje, aos 24 anos recém completados (24 de julho), o carinhoso apelido de infância ficou no passado. Leo agora assina suas geniais jogadas como Lionel Messi. O melhor do mundo em 2009 e 2010 já é considerado o maior craque de sua geração. E os números corroboram sua grandeza. Messi é o jogador que mais títulos conquistou na história do futebol em pouco tempo de carreira. Até os 23 anos, contabilizados todos os troféus por clubes, o atleta do Barcelona detém 15 conquistas, figurando à frente, inclusive, de imortais da bola como Pelé, com 13, Cruyff, com oito, e Maradona, quatro.






Quando o assunto é bola na rede, suas marcas também impressionam. Mesmo não sendo um típico centroavante, Messi possui média de 0,68 gol por partida com a camisa azul-grená. Número significativo se comparado aos dígitos de goleadores, como Del Piero, 0,43 gol por jogo, Raúl Gonzáles, 0,42, e até do maior artilheiro de todas as Copas, Ronaldo, que também marcava 0,68 a cada cortejo.






Analisando o recheado currículo e levando em consideração sua jovialidade, levantamos a questão: será que Messi poderá destronar o rei do futebol, o melhor atleta do século 20? As opiniões entre os analistas esportivos, por incrível que pareça, se divergem.






O comentarista da Rádio Globo São Paulo Marcelo Bechler avalia ser quase humanamente impossível repetir os feitos de Pelé. “Acredito que Messi não deva superá-lo. Por mais que sejam apenas sete jogos (eram seis na época de Pelé e Maradona) em um intervalo de quatro anos, o desempenho no Mundial faz a diferença na hora de colocar um lugar na história. Tudo que acontece em Copa do Mundo é superlativizado. E até seu desempenho no clube tende a cair. Talvez não agora, mas dentro de três, quatro ou cinco anos. Penso que as duas ou três últimas temporadas de Messi são do mesmo nível de Pelé ou qualquer outro grande. O problema é que Messi é um alienígena há dois anos. Pelé foi por 15”, confronta.






Indo na contramão do pensamento vigente, o editor do blog “Futebol Argentino” do site “globoesporte.com”, Renato Zanata Arnos, pondera que caso Messi consiga jogar em alto nível por mais pelo menos oito anos, poderia sim sobrepujar o tricampeão mundial. "Acho que ele pode superar Pelé pelo simples fato da sua carreira ainda está longe do término. Neste ano, Messi terá novas oportunidades de participar de campanhas vitoriosas e conquistar o título de campeão intercontinental e da Copa América. E tudo indica que ele deverá ser eleito pela terceira vez o melhor jogador do mundo. Sem falar em futuras finais de Champions League, que o time do Barcelona provavelmente disputará, e em duas Copas do Mundo, que ele poderá disputar em ótimas condições físicas e técnicas”, avalia.






Além dos excepcionais atributos futebolísticos - visão de jogo, condução de bola, finalização, velocidade, entre tantos outros -, muito do sucesso alcançado por Messi passa pelas fantásticas apresentações do clube blaugrana. Futebol ofensivo, bonito e eficiente, capaz de cativar qualquer avesso ao esporte bretão. Tostão, ex-jogador da seleção brasileira e um dos cronistas esportivos mais respeitados do Brasil, diz que “o Barcelona reúne as principais qualidades dos grandes times do passado e do presente. Assim como o Santos de Pelé, a seleção de 70 e outras excepcionais equipes, o Barcelona, além de ter vários craques, gosta de trocar passes, ficar com a bola e tratá-la com carinho. A bola, agradecida e encantada, beija os pés de seus craques”.






O camisa 10, entretanto, ainda não conseguiu reprisar no escrete argentino suas brilhantes atuações. Nas duas últimas temporadas, 2009-2010 e 2010-2011, Messi marcou incríveis 96 gols em 108 partidas pelo Barcelona, com a camisa alviceleste, no mesmo período, em 23 cortejos apenas sete vezes as redes foram balançadas – nenhuma delas na Copa do Mundo de 2010. “O Barcelona tem um entrosamento e um estilo de jogo que favorecem bastante Messi. Na seleção, ele tem mais protagonismo e menos facilidades. A pressão também é maior para ele. De todas as formas, ele tem talento para brilhar muito na Argentina, algo que já fez em categorias de base”, esclarece o colunista de futebol internacional da “Folha de São Paulo”, Rodrigo Bueno.






Devido à formação na Espanha e o desempenho aquém do seu real potencial na seleção, a idolatria dos argentinos ao jogador de 24 anos ainda é pequena comparada a sua dimensão, sobretudo, na Europa. Para Bechler, é natural que ele não tenha o mesmo prestígio. “Os mais recentes ídolos argentinos são identificados com clubes. Palermo e Tévez com o Boca Juniors, Véron com o Estudiantes, Ortega com o River Plate. Messi foi muito novo para o Barcelona e não apareceu em nenhuma equipe argentina profissional”. Por ter sido campeão e um ídolo do popular Boca Juniors, Carlos Tévez, conhecido como “jogador do povo”, é o mais querido pela torcida e ganha notória visibilidade na imprensa. “La Pulga [apelido de Messi] e seus feitos gigantescos, conquistados em territórios internacionais, sem ter popularizado seu talento disputando campeonatos nacionais da primeira divisão do futebol argentino, são minimizados pela falta de identificação do jogador com a cultura e o cotidiano do seu país de origem, ao contrário de Tévez”, considera Arnos.






Mesmo com grandes conquistas, talvez Messi não alcance a mesma sintonia existente entre os argentinos e Maradona. O capitão e melhor jogador da Copa de 1986, além de vários filmes, livros e até igreja em sua homenagem (Igreja Maradoniana), tem um lugar especial no coração de seus compatriotas. “Maradona, por sua personalidade e seus dramas, parece se identificar mais facilmente com o povo argentino. Lionel não se comunica tão bem com boa parte da população”, analisa Bueno que está na Argentina reportando a Copa América.






Sem o marketing pessoal e a exposição às colunas sociais, Messi cultiva uma simplicidade que contrasta com sua posição de destaque, deslocando-se do famigerado boleiro de colares de ouro e baladas até o amanhecer. “O futebol é o principal atrativo dele, sem dúvida. Mas creio que sua cara e seu jeito de bom moço o ajudam. Ele parece o irmão de todo mundo, um amigo, uma pessoa confiável, simples”, explana o jornalista da “Folha”, discorrendo sobre a empatia de crianças e adolescentes do mundo todo com o atleta.






É com o mesmo jeito de garoto e com mais maturidade que Messi deverá chegar ao Brasil em 2014. Para que ele seja ainda mais produtivo, o treinador da Argentina, Sergio Batista, adotou um esquema de jogo similar ao time de Pep Guardiola. “Em relação ao seu posicionamento tático na seleção argentina, Batista deseja ver o mesmo Messi do Barcelona, atuando como um ‘falso nove’, fazendo parte de um trio de atacantes, mais por dentro do campo, vindo de trás, de frente para o gol”, explica Arnos, especialista em futebol argentino.






Carlos Gardel, Eva Perón e Diego Maradona tornaram-se divindade no imaginário cultural portenho. Enquanto isso, Messi tenta driblar a desconfiança dos seus e busca respostas que só uma Copa do Mundo é capaz de esclarecer.


Com fãs no mundo todo, Barcelona fatura sobre seu craque


Capixaba de 24 anos, Hidekazu Leal é apaixonado pelo futebol argentino e acompanha a carreira de Messi desde o título do mundial sub-20, em 2005. “Ele é gênio. Tem todas as características que um craque precisa ter”. Por causa da ligação com o futebol portenho, vários amigos o chamam de traidor. “É brincadeira. Mas já estou acostumado, não ligo. Torço para Argentina e pelo Messi porque gosto do bom futebol”, conta o membro de uma das 700 comunidades no site de relacionamento Orkut dedicadas ao craque argentino. O gol marcado contra o Getafe, em 2007, é o seu favorito. “Ele saiu do meio campo e driblou a metade do time. Gol que, por sinal, lembra o antológico tento feito por Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986”, diz com brilho nos olhos. (Veja os gols que são bem parecidos: http://migre.me/5976I e http://migre.me/59oNb)


Dono de várias camisas da seleção argentina e do Barcelona, Leal faz parte da legião de torcedores que passaram a consumir produtos do time espanhol. Segundo o gerente de uma das maiores lojas de produtos esportivos do Brasil Bruno Luiz Moreira a partir de 2009 as vendas dispararam. “Negociamos quase 200% a mais que nos anos anteriores”, contabiliza, afirmando que as camisas do Barcelona são as mais compradas entre os clubes internacionais. A partir do ano passado, a rede de lojas na qual Moreira trabalha também começou a comercializar agasalho, boné e shorts do Barcelona. “O futebol bem jogado e a categoria de Messi influem nessa mudança de mercado, que tende a crescer”, diz. Relatórios das empresas de material esportivo apontam o Barcelona como o terceiro clube com mais camisas vendidas no mundo, atrás apenas do Real Madri e Manchester United.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Sinal dos tempos

Aos cinco anos, Márcio já envergava a bela camisa colorada do Valeriodoce Esporte Clube. Em sua família, aquela era uma tradição cinquentenária. O avô, o pai e os tios do garoto, além de dividir o mesmo sentimento pelo clube, foram jogadores e conselheiros do VEC. Fazia sol, chuva ou ventos de minério – por sinal, isso ocorre com certa frequência -, eles estavam religiosamente presentes ao acanhado, mas simpático estádio Israel Pinheiro.

Viram vitórias heroicas sobre tradicionais clubes do futebol brasileiro como Botafogo, Cruzeiro e Atlético. Porém, também foram testemunhas oculares de humilhações históricas. Por exemplo, o rebaixamento para a terceira divisão do futebol mineiro. Isso só para citar uma, e olha que a lista é longa. Os vexames, no entanto, não alteraram a paixão da família Lage pelo VEC.

Márcio, ao oposto do clube, cresceu. Foi estudar medicina na capital mineira. Acompanhava de longe a participação do clube itabirano no Campeonato Mineiro. A ausência em alguns cortejos se tornou inevitável. Mas o afastamento, não. Levava o time no coração, confessava aos amigos. Formou e logo voltou à terra natal. Lá se casou e teve um único herdeiro, Matheus.

Matheus adorava futebol, para alívio do pai que acreditava no prosseguimento da tradição familiar. O moleque foi a dezenas de jogos do Dragão. Sinceramente, ele não achava graça nenhuma naquele campo esburacado e nem nos 22 pernas de pau que corriam desordenadamente atrás da pelota. Seu interesse pelo esporte bretão era outro. Para Matheus, nada melhor do que ligar a TV e acompanhar o espetáculo de Messi, Xavi, Iniesta e do restante da companhia azul-grená. Que Valeriodoce que nada. Tratava-se de um autêntico culé. E nem a tradição, a possibilidade de ver os jogos in loco, nem o amor pelo pai e pelo avô, nada impedi-lo-ia de torcer pelo clube catalão.

“Tudo bem, o colorado itabirano fica sendo seu segundo time”, propôs o pai.

Seguro, Matheus respondeu: “Pai, time a gente só tem um”.

É meu caro, esse é o futebol moderno. Adaptas ou perecerás!

domingo, 23 de janeiro de 2011

Mais um deles

Seu nome era Antônio Aparecido - e sempre fez jus ao sobrenome. Quando garoto, era a atração naqueles felizes encontros de família. Na jovialidade, foi fundador e presidente da União pelo Esporte (UPE), uma associação de âmbito nacional que buscava maior investimento público para o esporte de baixo rendimento. Acreditava que poderia mudar o mundo pelo esporte. Tratava-se de um idealista.

Com sua atuação na UPE, ganhou destaque nacional, alcançando, anos depois, uma vaga na Câmara dos Deputados. Ficou pouco tempo. Voltou a dedicar seus dias a verdadeira paixão: o esporte. Com muito empenho, trabalho sério e uma dose de sorte, galgou até o cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Tinha interessantes planos na cabeça. Pensou em modernizar o calendário, adaptando-o ao europeu. Pensou em valorizar às series B, C e D, investindo mais dinheiro da própria instituição. Pensou que poderia transformar o futebol brasileiro em um produto mais atrativo... Mas só pensou. Esperto, percebeu que sua ousadia não era condizente com a posição cômoda dos velhos senhores feudais que estavam à frente das federações estaduais e de cargos importantes dentro da CBF.

Conhecia o mundo, sabia o quanto era perigoso cutucar uma alcateia de lobos com um cabo de vassoura. Por isso, não tomou nenhuma medida estarrecedora em seus primeiros meses de mandato. Para agir, procurou conhecê-los melhor. Almoçou, jantou, passou o final de semana e até o Natal com os “homens do esporte”. Descobriu, além de todas as falcatruas, que aqueles velhos inescrupulosos também eram boas pessoas: atenciosos, amorosos, preocupados com os filhos e netos, extremamente religiosos e caridosos. Sua mulher virou a melhor amiga das mulheres deles. Sua filha começou a namorar o filho de um deles. Ela, repentinamente, engravidou e casou. Tudo pareceu passar tão rápido quanto um piscar de olhos.

Aparecido já estava mais ligado a eles do que gostaria. Acabou se perdendo nesse novo mundo. As antigas amizades do tempo da UPE foram esquecidas, assim como os interessantes planos para o futebol brasileiro. As medidas estarrecedoras não vieram no primeiro mandato nem nos sete posteriores à frente da CBF. Pior do que ser amigo deles, Aparecido tornou-se mais um deles.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Mundo dos sonhos

Em questão de segundos, ele antevia toda a jogada. Sabia exatamente o destino da pelota. Havia um magnetismo impressionante entre os dois. Ele conduzia aquele objeto esférico assim como um lorde caminhava com sua dama: pura elegância! Nem o beque mais veloz, forte e astuto conseguia separá-los. Assim ficava fácil. E pra ele realmente era. Foi artilheiro, melhor jogador e campeão de tudo o que disputou.

Era craque, rico e, como se não bastasse, bem afeiçoado - quero deixar claro que não se trata de Gerge Best, ele era melhor e mais bonito. Fez tantos gols quanto teve tantas mulheres. Casou cinco vezes. Oficialmente, teve sete filhos - os não registrados somam algo em torno de dez, acreditavam os mais otimistas. Gostava tanto de farras que virou sócio das melhores casas noturnas de Londres. Pra completar, fumava e bebia muito.

Tratava-se de outra época. O futebol não era tão físico e tático como ele é hoje. O talento sobressaia por si só. Por isso, fizera tanto sucesso quanto os Beatles; era mais querido que a rainha; e tinha o prestígio do Papa. Os fanáticos sustentavam, inclusive, que ele era maior que seu próprio clube, o Crystal Palace.

Mas a validade no futebol, assim como a verdade, é perecível. Ainda mais acompanhada de uma dose dupla de Martini, na companhia de duas vagabundas. Com apenas 27 anos, pendurou as chuteiras. Se jogasse mais alguns meses, seria o futebol que o abandonaria. No entanto, o boleiro ainda saiu por cima: foi aclamado de pé, por 90 mil torcedores, em pleno Wembley.

“Um grande craque dura o tempo do surgimento de outro. Mas sempre serei adorado”, dizia ele, com extrema segurança, acreditando ser à exceção da sua própria regra. O tempo mostrou que ele estava errado. O futebol, as mulheres, as festas... todos seguiram sem ele. Paulatinamente, o ex-craque percebeu que era apenas uma foto na parede e uma página virada de uma bela história. Hoje, ele é um velho caquético, que viveu em um mundo dos sonhos com que sonhas todas as noites.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Destino

Em sua cidade natal, Paudalho (PE), ele era rei. Melhor, tratava-se do príncipe de Capibaribe (nome do rio que corta a cidade). O apelido foi dado por um antigo locutor esportivo ao ver o garoto atuar no campeonato sub-15. Seu José era a maior autoridade futebolística da região. O velho dizia aos quatro cantos que havia visto o Brasil levantar o caneco mundial na primeira oportunidade, em 1958. Daí veio a ligação para o apelido do garoto. Didi, um dos meio campistas mais talentosos do futebol brasileiro, recebeu do jornalista Nelson Rodrigues a alcunha de Príncipe Etíope. Atento, José constatou que a elegância com que o moleque jogava lembrava a classe do atleta da seleção brasileira, por isso a homenagem.

O garoto era o quinto de uma família de sete filhos. Seu pai era pedreiro e a mãe, dona de casa. Muito pobre, o moleque não vislumbrava ter os carrões e a vida de popstar dos boleiros de hoje em dia. Consciente, ele apenas queria livrar-se da pobreza em que encontrava. O cardápio do café-da-manhã, almoço e jantar, por exemplo, era sempre o mesmo: feijão com farinha, isso quando ainda havia o que comer.

Não demorou e ele ganhou uma oportunidade em uma grande equipe do futebol nacional, o Vasco do Gama - por sinal, seu clube de coração. Logo no primeiro treino com os juniores, fez um gol e deu duas assistências para a vitória dos reservas sobre os titulares, 4 a 2. Já com o pernambucano entre os 11, aquele time amador do Vasco ganhou tudo o que disputou, do Campeonato Carioca à Taça São Paulo. E o Príncipe do Capibaribe, claro, foi o destaque em todos os torneios.

Os deuses do futebol, no entanto, não reservaram um futuro próspero dentro das quatro linhas ao garoto. No ano seguinte, ao fazer alguns exames médicos de praxe, os cardiologistas descobriram que ele tinha um problema no coração. Um mês depois, a diretoria avisou que os seus serviços não interessavam mais a equipe. Procurou, em vão, outros clubes. Chorou bastante durante seus últimos dias no Rio. Pegou o primeiro ônibus para Pernambuco e esqueceu o futebol.