quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Linhagem Real

Em 2001, acompanhando os pais, Leo desembarcava na cidade espanhola de Lérida, na Catalunha. A Argentina, país natal do garoto de 13 anos, vivia uma grave crise econômica, e seus familiares resolveram tentar a vida na ainda estável Europa. Leo, que sofria de distúrbios ósseos, tinha biótipo mirrado. Mesmo fora dos padrões físicos para o futebol moderno, com 1,45 metro de estatura e 47 kg, o argentino de Rosário saltou aos olhos do treinador infantil do Barcelona ao ter desempenho irretocável durante um teste no clube. Os dirigentes, impressionados com sua técnica, decidiram contratá-lo, custeando seus familiares na Espanha e o tratamento para seus problemas de desenvolvimento corporal. Pele branca e cabelo sobre os olhos, lá se foi Leo ingressar nas canteiras de La Masia.





Hoje, aos 24 anos recém completados (24 de julho), o carinhoso apelido de infância ficou no passado. Leo agora assina suas geniais jogadas como Lionel Messi. O melhor do mundo em 2009 e 2010 já é considerado o maior craque de sua geração. E os números corroboram sua grandeza. Messi é o jogador que mais títulos conquistou na história do futebol em pouco tempo de carreira. Até os 23 anos, contabilizados todos os troféus por clubes, o atleta do Barcelona detém 15 conquistas, figurando à frente, inclusive, de imortais da bola como Pelé, com 13, Cruyff, com oito, e Maradona, quatro.






Quando o assunto é bola na rede, suas marcas também impressionam. Mesmo não sendo um típico centroavante, Messi possui média de 0,68 gol por partida com a camisa azul-grená. Número significativo se comparado aos dígitos de goleadores, como Del Piero, 0,43 gol por jogo, Raúl Gonzáles, 0,42, e até do maior artilheiro de todas as Copas, Ronaldo, que também marcava 0,68 a cada cortejo.






Analisando o recheado currículo e levando em consideração sua jovialidade, levantamos a questão: será que Messi poderá destronar o rei do futebol, o melhor atleta do século 20? As opiniões entre os analistas esportivos, por incrível que pareça, se divergem.






O comentarista da Rádio Globo São Paulo Marcelo Bechler avalia ser quase humanamente impossível repetir os feitos de Pelé. “Acredito que Messi não deva superá-lo. Por mais que sejam apenas sete jogos (eram seis na época de Pelé e Maradona) em um intervalo de quatro anos, o desempenho no Mundial faz a diferença na hora de colocar um lugar na história. Tudo que acontece em Copa do Mundo é superlativizado. E até seu desempenho no clube tende a cair. Talvez não agora, mas dentro de três, quatro ou cinco anos. Penso que as duas ou três últimas temporadas de Messi são do mesmo nível de Pelé ou qualquer outro grande. O problema é que Messi é um alienígena há dois anos. Pelé foi por 15”, confronta.






Indo na contramão do pensamento vigente, o editor do blog “Futebol Argentino” do site “globoesporte.com”, Renato Zanata Arnos, pondera que caso Messi consiga jogar em alto nível por mais pelo menos oito anos, poderia sim sobrepujar o tricampeão mundial. "Acho que ele pode superar Pelé pelo simples fato da sua carreira ainda está longe do término. Neste ano, Messi terá novas oportunidades de participar de campanhas vitoriosas e conquistar o título de campeão intercontinental e da Copa América. E tudo indica que ele deverá ser eleito pela terceira vez o melhor jogador do mundo. Sem falar em futuras finais de Champions League, que o time do Barcelona provavelmente disputará, e em duas Copas do Mundo, que ele poderá disputar em ótimas condições físicas e técnicas”, avalia.






Além dos excepcionais atributos futebolísticos - visão de jogo, condução de bola, finalização, velocidade, entre tantos outros -, muito do sucesso alcançado por Messi passa pelas fantásticas apresentações do clube blaugrana. Futebol ofensivo, bonito e eficiente, capaz de cativar qualquer avesso ao esporte bretão. Tostão, ex-jogador da seleção brasileira e um dos cronistas esportivos mais respeitados do Brasil, diz que “o Barcelona reúne as principais qualidades dos grandes times do passado e do presente. Assim como o Santos de Pelé, a seleção de 70 e outras excepcionais equipes, o Barcelona, além de ter vários craques, gosta de trocar passes, ficar com a bola e tratá-la com carinho. A bola, agradecida e encantada, beija os pés de seus craques”.






O camisa 10, entretanto, ainda não conseguiu reprisar no escrete argentino suas brilhantes atuações. Nas duas últimas temporadas, 2009-2010 e 2010-2011, Messi marcou incríveis 96 gols em 108 partidas pelo Barcelona, com a camisa alviceleste, no mesmo período, em 23 cortejos apenas sete vezes as redes foram balançadas – nenhuma delas na Copa do Mundo de 2010. “O Barcelona tem um entrosamento e um estilo de jogo que favorecem bastante Messi. Na seleção, ele tem mais protagonismo e menos facilidades. A pressão também é maior para ele. De todas as formas, ele tem talento para brilhar muito na Argentina, algo que já fez em categorias de base”, esclarece o colunista de futebol internacional da “Folha de São Paulo”, Rodrigo Bueno.






Devido à formação na Espanha e o desempenho aquém do seu real potencial na seleção, a idolatria dos argentinos ao jogador de 24 anos ainda é pequena comparada a sua dimensão, sobretudo, na Europa. Para Bechler, é natural que ele não tenha o mesmo prestígio. “Os mais recentes ídolos argentinos são identificados com clubes. Palermo e Tévez com o Boca Juniors, Véron com o Estudiantes, Ortega com o River Plate. Messi foi muito novo para o Barcelona e não apareceu em nenhuma equipe argentina profissional”. Por ter sido campeão e um ídolo do popular Boca Juniors, Carlos Tévez, conhecido como “jogador do povo”, é o mais querido pela torcida e ganha notória visibilidade na imprensa. “La Pulga [apelido de Messi] e seus feitos gigantescos, conquistados em territórios internacionais, sem ter popularizado seu talento disputando campeonatos nacionais da primeira divisão do futebol argentino, são minimizados pela falta de identificação do jogador com a cultura e o cotidiano do seu país de origem, ao contrário de Tévez”, considera Arnos.






Mesmo com grandes conquistas, talvez Messi não alcance a mesma sintonia existente entre os argentinos e Maradona. O capitão e melhor jogador da Copa de 1986, além de vários filmes, livros e até igreja em sua homenagem (Igreja Maradoniana), tem um lugar especial no coração de seus compatriotas. “Maradona, por sua personalidade e seus dramas, parece se identificar mais facilmente com o povo argentino. Lionel não se comunica tão bem com boa parte da população”, analisa Bueno que está na Argentina reportando a Copa América.






Sem o marketing pessoal e a exposição às colunas sociais, Messi cultiva uma simplicidade que contrasta com sua posição de destaque, deslocando-se do famigerado boleiro de colares de ouro e baladas até o amanhecer. “O futebol é o principal atrativo dele, sem dúvida. Mas creio que sua cara e seu jeito de bom moço o ajudam. Ele parece o irmão de todo mundo, um amigo, uma pessoa confiável, simples”, explana o jornalista da “Folha”, discorrendo sobre a empatia de crianças e adolescentes do mundo todo com o atleta.






É com o mesmo jeito de garoto e com mais maturidade que Messi deverá chegar ao Brasil em 2014. Para que ele seja ainda mais produtivo, o treinador da Argentina, Sergio Batista, adotou um esquema de jogo similar ao time de Pep Guardiola. “Em relação ao seu posicionamento tático na seleção argentina, Batista deseja ver o mesmo Messi do Barcelona, atuando como um ‘falso nove’, fazendo parte de um trio de atacantes, mais por dentro do campo, vindo de trás, de frente para o gol”, explica Arnos, especialista em futebol argentino.






Carlos Gardel, Eva Perón e Diego Maradona tornaram-se divindade no imaginário cultural portenho. Enquanto isso, Messi tenta driblar a desconfiança dos seus e busca respostas que só uma Copa do Mundo é capaz de esclarecer.


Com fãs no mundo todo, Barcelona fatura sobre seu craque


Capixaba de 24 anos, Hidekazu Leal é apaixonado pelo futebol argentino e acompanha a carreira de Messi desde o título do mundial sub-20, em 2005. “Ele é gênio. Tem todas as características que um craque precisa ter”. Por causa da ligação com o futebol portenho, vários amigos o chamam de traidor. “É brincadeira. Mas já estou acostumado, não ligo. Torço para Argentina e pelo Messi porque gosto do bom futebol”, conta o membro de uma das 700 comunidades no site de relacionamento Orkut dedicadas ao craque argentino. O gol marcado contra o Getafe, em 2007, é o seu favorito. “Ele saiu do meio campo e driblou a metade do time. Gol que, por sinal, lembra o antológico tento feito por Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986”, diz com brilho nos olhos. (Veja os gols que são bem parecidos: http://migre.me/5976I e http://migre.me/59oNb)


Dono de várias camisas da seleção argentina e do Barcelona, Leal faz parte da legião de torcedores que passaram a consumir produtos do time espanhol. Segundo o gerente de uma das maiores lojas de produtos esportivos do Brasil Bruno Luiz Moreira a partir de 2009 as vendas dispararam. “Negociamos quase 200% a mais que nos anos anteriores”, contabiliza, afirmando que as camisas do Barcelona são as mais compradas entre os clubes internacionais. A partir do ano passado, a rede de lojas na qual Moreira trabalha também começou a comercializar agasalho, boné e shorts do Barcelona. “O futebol bem jogado e a categoria de Messi influem nessa mudança de mercado, que tende a crescer”, diz. Relatórios das empresas de material esportivo apontam o Barcelona como o terceiro clube com mais camisas vendidas no mundo, atrás apenas do Real Madri e Manchester United.