sábado, 4 de fevereiro de 2012

Saudades

Saudades do que um dia eu fui. Quando garoto, jogava as famosas peladas entre os bairros Lambari e Nova Santa Maria. Quase um proprietário, era o capitão-técnico do Lambari, local onde morei. A rivalidade com a região vizinha existia somente dentro das quatro linhas. Era amigo de todos que chutavam aquela bola surrada.

Saudades da Ki-Chute preta com cadarço enorme. Minha estratégia para amarrar era dar duas voltas por baixo do tênis. Meu meião ficava quase sobre o joelho e o shorts tinha que ser pequeno, bem naquele estilão dos craques do início da década de 1990.

Saudades das aulas chatas da terceira série. Quando acabava o martírio, ia pra casa almoçava e me preparava para o treino – entenda-se dormia. Pegava a Monarke da minha mãe e me dirigia ao campo do SMEC. Era um ponta-direita. Jogávamos no 4-3-3. Eu pouco pegava na bola, pra falar a verdade. Gostava mesmo era de bater escanteios e faltas. Sentia-me o dono do jogo, nem que fosse por segundos. Talvez fosse o que fizesse de melhor (me sentir o dono do jogo, claro, porque nem levantar uma bola na área dignamente eu conseguia). Desfrutava também da sensação de ver as meninas nas grades observando. Achava que elas estavam me perseguindo com os olhos, embora não tivesse coragem de cortejá-las.

Saudades do meu avô Betico, incentivador no esporte e melhor amigo, ao lado do meu pai. Vovô foi o responsável direto de todos os meus 15 times de futebol de botão. Ele arcava com os custos. Na época, acho que meu maior investimento foi na aquisição do Liverpool. Provavelmente, uns cinquenta centavos ou cruzeiro, não me lembro ao certo. O que sei é que venci todos os quatro campeonatos de futebol de botão. Além de organizador, era o árbitro das partidas, inclusive das minhas - que Deus me perdoe se tiver me favorecido, era apenas uma criança.

Saudades de ir ao Bar do Bruno ver todos os jogos da honrosa campanha do vice-campeonato de 1998. Era o único garoto. Lembro que Bruno, o dono do bar, arrecadava uma grana com os clientes, ligava para a SKY e comprava a partida. Eu não pagava e confesso que ficava envergonhado de não poder ajudar. Também não consumia nada no bar, tudo era caro para minhas pobres moedinhas.

Saudades de ir para a roça. Comia doce-de-leite à vontade. Esbaldava-me com o frango com quiabo e angu da minha avó. Fora as comilanças, gostava de andar a cavalo o dia inteiro. Mesmo se estivesse fazendo 40 graus, ao meio-dia, com o pangaré mortinho da silva, lá estava eu animadíssimo guiando de um lado para o outro. Das pescarias, eu não tenho saudades. Tinha que ficar caladinho, e não podia reclamar sequer dos mosquitos me devorando. Fora os peixes que nunca fisgavam a isca.

Saudades de tempos que não voltam mais. E, desde já, saudades de escrever sobre esporte neste blog. Encerro, com saudades, este espaço.

PS: Nenhum tipo de passeata ou movimento público me fará voltar a escrever aqui. Não adianta mandar e-mail dizendo que cortará os pulsos ou, tão pior quanto, aderir a um novo penteado inspirado no moicano de Neymar, nada disso surtirá efeito.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Casamento

Otávio nasceu em uma família de esportistas. O pai foi jogador de vôlei e depois da aposentadoria virou professor de educação física. A mãe - belíssima por sinal - era nadadora. A influência genealógica direcionou o garoto para o inevitável gosto pelo desporto. Começou nas piscinas, passou pelas quadras e terminou nos gramados.

Aos 21 anos, Otávio não conseguiu se firmar nas categorias de base do Atlético. Rodou por alguns clubes do interior mineiro sem sucesso. Como não tinha saco para os livros, montou seu próprio negócio com a ajuda dos pais e da futura esposa, Mariana, com quem namorou desde os 15 anos.

Assíduo telespectador dos mais diversos programas esportivos, Otávio era capaz de passar dias em frente ao monitor de 42 polegadas assistindo a qualquer esporte, de rugby à nascar americana. Casado, não largou o hábito. Mariana gostava de aproveitar as folgas aos domingos para passear com os cachorros em um parque próximo de casa e ir ao cinema ver o novo lançamento do espanhol Almodóvar ou uma película do argentino Campanella. Contudo, não contava com a companhia do companheiro.

Pela manhã, a desculpa era a Fórmula 1: “Hoje, o Rubinho pode ser campeão mundial. Dá para acreditar?!”. Na hora do almoço, era o jogo do Liverpool: “Gerrard volta de contusão pela décima vez na temporada. Não posso perder!”. À tarde, a pelada entre Cruzeiro e Atlético: “Sei que o Galo vai levar mais uma surra, mas temos que lutar, lutar, lutar, com toda raça e orgulho para vencer”. Até o Patriots era mais interessante: “Agora, tem o Sunday Night Football, amor. Deixa para a próxima”.

Mariana sentia-se cada vez mais solitária. Otávio, que já pesava uns 110 kg, viva com a bunda sobre a cadeira reclinável comprada exclusivamente para apreciar a programação esportiva. Frustrada pelo casamento, Mariana resolveu desabafar com o marido. Aos prantos, em frente à TV, disse que não aguentava mais esse relacionamento desastroso. “Qualquer partida de tênis de mesa entre um norte-coreano e um chinês é mais importante para você do que eu”, estourou e saiu correndo desamparada.

Otávio olhou rapidamente para a televisão, viu que a sensação do tênis de mesa o norte-coreano Chun Lee estava vencendo o chinês Tao Ming e mandou uma declaração. “Amor, vou colocar o jogo para gravar. Espera ai porque eu te amo. Não vivo sem você. Vamos conversar”, disse enquanto programava a televisão e ajeitava as sandálias nos pés.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Efeito Guardiola

A bola corre de pé em pé. Em grande parte do cortejo, eles têm o domínio – do objeto esférico e do confronto.

Guardiola conseguiu potencializar o desempenho de cada atleta em particular. Messi não tem o mesmo brilho fora do clube catalão; Xavi e Iniesta só são completos com a camisa azul-grená; Sérgio Busquets, de mediano em qualquer equipe, torna-se o melhor médio-volante do mundo.

Isso sem falar nas atuações de destaques de Piqué, que há três temporadas era apenas um reserva insignificante no Manchester United; Fàbregas, que deu outra cara ao time; Daniel Alves e todos, sim, todos os outros.

Contudo, o mais incrível é que o todo ainda consegue ser maior que a soma das partes. O Barcelona, às vezes, parece ser um organismo vivo. Sai jogador,entra jogador, o time muda o jeito de jogar, mas não perde a essência, marcada pela dicotomia posse de bola e beleza plástica.

A soberania do Barça não se explica somente pelas variáveis táticas e técnicas. É muito maior do que isso.

Guardiola faz parte de um grupo de intelectuais que se reúnem com certa frequência na Espanha. Entre os frequentadores destes bate-papos está uma das referências na literatura espanhola Enrique Vila-Matas.

O conhecimento teórico que Guardiola adquiriu nas demais áreas do conhecimento, muito em função do seu largo escopo cultural, é utilizado com louvor em sua filosofia implantada nas quatro linhas. O técnico de Santpedor ainda dá seus primeiros passos. A revolução está por vir.