quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Casamento

Otávio nasceu em uma família de esportistas. O pai foi jogador de vôlei e depois da aposentadoria virou professor de educação física. A mãe - belíssima por sinal - era nadadora. A influência genealógica direcionou o garoto para o inevitável gosto pelo desporto. Começou nas piscinas, passou pelas quadras e terminou nos gramados.

Aos 21 anos, Otávio não conseguiu se firmar nas categorias de base do Atlético. Rodou por alguns clubes do interior mineiro sem sucesso. Como não tinha saco para os livros, montou seu próprio negócio com a ajuda dos pais e da futura esposa, Mariana, com quem namorou desde os 15 anos.

Assíduo telespectador dos mais diversos programas esportivos, Otávio era capaz de passar dias em frente ao monitor de 42 polegadas assistindo a qualquer esporte, de rugby à nascar americana. Casado, não largou o hábito. Mariana gostava de aproveitar as folgas aos domingos para passear com os cachorros em um parque próximo de casa e ir ao cinema ver o novo lançamento do espanhol Almodóvar ou uma película do argentino Campanella. Contudo, não contava com a companhia do companheiro.

Pela manhã, a desculpa era a Fórmula 1: “Hoje, o Rubinho pode ser campeão mundial. Dá para acreditar?!”. Na hora do almoço, era o jogo do Liverpool: “Gerrard volta de contusão pela décima vez na temporada. Não posso perder!”. À tarde, a pelada entre Cruzeiro e Atlético: “Sei que o Galo vai levar mais uma surra, mas temos que lutar, lutar, lutar, com toda raça e orgulho para vencer”. Até o Patriots era mais interessante: “Agora, tem o Sunday Night Football, amor. Deixa para a próxima”.

Mariana sentia-se cada vez mais solitária. Otávio, que já pesava uns 110 kg, viva com a bunda sobre a cadeira reclinável comprada exclusivamente para apreciar a programação esportiva. Frustrada pelo casamento, Mariana resolveu desabafar com o marido. Aos prantos, em frente à TV, disse que não aguentava mais esse relacionamento desastroso. “Qualquer partida de tênis de mesa entre um norte-coreano e um chinês é mais importante para você do que eu”, estourou e saiu correndo desamparada.

Otávio olhou rapidamente para a televisão, viu que a sensação do tênis de mesa o norte-coreano Chun Lee estava vencendo o chinês Tao Ming e mandou uma declaração. “Amor, vou colocar o jogo para gravar. Espera ai porque eu te amo. Não vivo sem você. Vamos conversar”, disse enquanto programava a televisão e ajeitava as sandálias nos pés.